sábado, 22 de setembro de 2012

A tia Yayá - Por George Coelho



Foto: Tia Yayá e eu (George)

Walmar,
Muito boas suas recordações sobre a tia Yayá:
http://oscoelhosdocascavel.blogspot.com.br/2012/09/a-tia-yaya-por-walmar-coelho.html

A gente sempre ouve estórias que desconhecia, por isso é muito bom que as pessoas dêem seus depoimentos dos entes queridos. Eu, por exemplo, não sabia que o ofício antigo do Tio Chico em Cascavel era alfaiate. Ele me contou uma vez, se é que me lembro direito, que trazia cargas de rapaduras em jumentos do Cascavel pra cá. Um dos almocreves, seu amigo, era Genésio Queiroz, pai do Edson Queiroz. Tio Chico, juntamente com o Edson Queiróz, era um dos sócios do famoso Abrigo Central que ficava em um dos lados da Praça do Ferreira em Fortaleza. Do Genésio, eu tenho uma estória. Como você sabe, vivi com tia Yayá e tio Chico na casa de Messejana, onde hoje se situa uma autarquia estadual: Detran. Na frente do enorme terreno ficava uma cancela da Polícia Rodoviária Federal, onde os carros baixavam a velocidade para fazerem o contorno das duas cancelas de madeira dispostas como obstáculos na pista. Nos fins de tarde, ficávamos eu e o tio Chico, ele em pé, eu sentado no muro, vendo a procissão de carros passarem na BR 116. O cheiro da gasolina chegava aos meus pulmões e olfatos de forma mais agradável da de hoje. Eu já sabia as perguntas do tio Chico quando o ônibus com o letreiro do Eusébio, lugar que na época eu não conhecia onde ficava, passava. Tio Chico me perguntava insultando meus conhecimentos de leitura. Que ônibus é esse? E eu levantava a bola pra ele: Eusébio. Ele olhava pra mim e dizia: Tusébio? E eu, de novo, não tio, EUsébio. E o tio, TÚsébio?... E ficávamos ali até rezar o terço diário no fimzinho de tarde com a tia Yayá, olhando prum crucifixo de madeira que ficava no quarto de casal da casa. Tio Chico era de um humor ímpar. Pra tudo que via, tinha uma brincadeira arguta. E eu teria muitas estórias pra contar dele.

O Sr. Genésio Queiroz, pai do Edson Queiroz, na época eu não sabia quem eram os dois. Um dia chegou o Seu Genésio num Landau, cujo chaufer era um motorista magérrimo de quepe, todo fardado. O landau estacionou sobre uma das frondosas mangueiras do sítio de Messejana. Parou como param aqueles carros antigos com amortecedores que, como um colchão macio, fazem o carro flutuar na vertical, antes de parar por completo. O Genésio desceu do carro. Não falou comigo, mesmo eu estando ali olhando pra ele de perto. Explico que naquele tempo, menino não merecia confiança dos mais velhos. Pois bem, Genésio desceu do carro, pegou uma pistola. E, e... Apontou pro tronco dum pé de carambola que crescia encostado num muro alto. Deu uns poucos tiros. Acertou um deles, de vera, pois, mais tarde, eu tirei o chumbo de dentro do tronco. Momento seguinte, entrou na casa, como um velho conhecido e foi direto falar com Maria.

E aí a minha primeira divergência com parte do que você disse Walmar. A bondosa negra empregada de Tio Chico e Tia Yayá era Maria e não Carmélia. Maria do Espíirito Santo se chamava ela e era do Quixeramobim. Depois, lendo um livro de história do Ceará, descobri que, na terra do Antonio Conselheiro, existia um lugarejo que se chamava Espírito Santo. Neste, habitavam negros provindos de Angola. Liguei as pontas; o Espírito Santo da Maria devia de vir dali: Maria do Espírito Santo.

Voltando ao Sr. Genésio, ele chegou pra Maria, eu ouvindo, e lhe disse: "Maria cadê o burrinho de cana, Maria. E uma rede?" Fico em dúvida hoje se o nome que disse era burrinho de cana, mesmo. O certo é que Maria respondeu como se falasse com qualquer um: "Lá vem tú Genésio tomar tuas doses de pinga." Mas não discutiu: deu o burrinho de cana e uma rede alvinha e limpa pro Sr. Genésio que os levou pros fundos da casa de  Messejana, onde existia uma casa menor. Um quarto só era tudo da casa. Sem banheiros, sem nada. Na realidade, ali não era casa, não, mas um galinheiro e era o local onde a Dona Maria do Estevão, casada com Seu Estevão, engomava toda semana as roupas da casa, com ferro de engomar de brasa, depois de lavadas e postas no quarador de roupas. O quarador era resto de brita de construção, jogada no chão. Fcava entre a o galinheiro e os fundos da casa.  Em frente ao galinheiro, tinha um pé de algaroba, que fazia sombra na quentura e onde cantavam um casal de rouxinós mansos que ali tinha um ninho.

Pois bem, Sr. Genésio armou a rede perto das varas penduradas em tijolos, próximo ao chão, onde dormiam as galinhas. Genésio deitara ali com uma perna pra dentro da rede e outra pra fora. Deitado certamente sentia e não se importava com o cheiro forte de estrume de galinhas que se exalava no ar. Ali, no pequeno quarto, bebericou o burrinho de cana, danando-se  a dormir até o fim de tarde, quando saiu leve, tão ligeiro e sem cerimônias igual a como chegou. Cheguei minhas conclusões de filósofo de merreca que sou sobre o que fazia Genésio, um homem já rico na época, em um ambiente que, digamos assim, não combinava com os seus possuídos. Penso que Genésio, buscava sua infância perdida de Cascavel. Só isso.

Sobre Tia Yayá ainda, fazendo um preâmbulo. Não conheci pessoa mais discreta que o papai. Confirmo isso que essa história dramática passada por tia Yayá e o ciumento militar rejeitado, essa história só vim a saber um dia desses contado pelo Wagner, ouvido de tio Walter, em uma reunião que fui na casa do Peryguari. Disse ele também que o pai deles, nosso avô, Sebastião, senhor de severo bigode, após o ocorrido e Tia Yayá ainda pingando sangue em uma rede, que naquele tempo assistência médica era em casa. Pois bem, Vovô Sebastião reuniu os filhos e disse pra eles, mais ou menos assim: "Não quero ouvir história de vingança de nenhum de vocês. Nossa família é de paz." E em paz ficaram até e depois da recuperação do tiro recebido por Tia Yayá. Confesso que não herdei bem essa pacificidade dos Coelhos.

A outra observação que faço do seu texto, Walmar, é que papai, quando vivo tia Yayá, gozava de boa saúde e diariamente ia conversar com ela. Só adoeceu de Parkinsom, bem depois - tia Yayá já morrera - ele morando no bairro Cidade dos Funcionários. Tia Yayá, após a venda da casa de Messejana, morou em duas casas alugadas, todas próximas a nossa casa do Centro que ficava na rua Solon Pinheiro 756. A primeira, que tinha um pé de goabeira no quintal, em que morou ficava na Rua Solon Pinheiro entre a Rua Meton de Alencar e a Rua Clarindo de Queiroz. A segunda casa, ficava na rua Assunção, próximo à rua, que hoje é avenida, Domingos Olímpio. A gente lá de casa ia sempre visitá-la. Papai e Raimundo Inácio ia todo dia. Sandra e Sônia visitavam-na sempre. Wagner, Periguary idem...

Eu, menos ia na casa dela, talvez por sentir um certo vácuo da ausência do tio Chico.
Na casa, Maria do Espírito Santo, a santa Maria,  tinha uns pés de plantas em latas. Ela era de boas mãos tanto na cozinha, quanto em plantar. Tinha de tudo em Messejana: uma horta, com tomates, pimentões, coentros, verdura. Tinha cajueiros, pé de pitomba, seriguela, ata, carambola, mangueira, pe-de-canela, tangerina, cajarana, cajá, goiabeira, sapoti etc.  Maria foi também a melhor cozinheira que conheci. Eu gostava demais, dentre outras guloseimas, da sua macarronada com queijo, das bolinhas de carne, dos mingaus de aveia com cobertura de de canela, dos bolos Luís-Felipe. E as goiabadas que fazia no quintal de Messejana  em latas grandes de biscoito?  Sinto até o cheiro do doce se desprendendo das borbulhas avermelhadas! Lembro que ela dizia ter cozinhado para os passageiros dos aviões da Pan Air, contrato que, penso, tio Chico tinha com a companhia.

Lembro também de, numa das visitas que fiz a tia Yayá na casa da Rua Assunção ter-me encontrado com a Maria, filha do Tio Mário. Conversamos sobre educação, eu que estava empolgado em ensinar a ler meu filho Delano de ano de idade, com cartazes, usando um método revolucionário. A Maria do tio Mário, na época, era completamente contra este processo de queimar etapas na educação infantil. Eu pensava o contrário. Também meu irmão, Inácio que, como disse, visitava minha tia Yayá, quase todos os dias. Um dia chegando lá encontrou muita gente reunida, inclusive o Pery. Foi uma triste surpresa pra ele: tia Yayá falecera. Inácio quedou calado, quase em choque. Isso quem me contou foi o Pery no dia do falecimento da tia.

Tenho muitas lembranças boas de tia Yayá e de tio Chico. Aos poucos me vão chegando na caneta. Mas  desconheço outras histórias que você conhece e faz muito bem em contá-las.

Abraço, do primo,
George

A tia Yayá - Por Walmar Coelho


A minha querida tia era uma criatura doce, agradável  e rara, como o mel da jandaira!
Foi um elo precioso e forte na amizade e amor solidário que unia os irmãos Coelho e estes adoravam essa irmã única, numa retribuição de afeto. A outra irmã, Sylvia, já havia morrido na década de quarenta do século passado, quando se passaram também, todos os fatos aqui postados.

Ainda jovem, uma mocinha muito bonita, a tia Yayá foi alvo das investidas amorosas de um militar em Cascavel. Ante a sua recusa, o pretensioso namorado vingou-se lhe desferindo alguns tiros que não a mataram por sorte, mas custaram-lhe demorados cuidados médicos que, graças a Deus, a reabilitaram.

A família Coelho, muito pacífica e ordeira, nunca absorveu o triste episódio que jamais era comentado e sempre  tratado com rigoroso silencio. Meu pai só disse-me o caso quando eu já era homem feito e mesmo assim, pedindo-me que evitasse divulga-lo!

Ela casou-se com um homem franzino de média estatura, moreno de cabelos lisos, Chico, que em Cascavel exercia o ofício de alfaiate. Com o tempo, o casal veio morar em Messejana, distando doze quilômetros de Fortaleza, habitando uma grande e aprazível casa, situada no meio de um sítio com as mais diversas fruteiras.

A citação do tipo físico do Chico tem um sentido. A minha avó Sinhá (Raimunda) era muito racista e foi recebida pelo citado casal, naquela casa, por anos seguidos até a data de sua morte! Lembro-me que ela e tia Yayá eram adeptas fiéis das novelas que naquele tempo só chegavam em reproduções das rádios do sul do país. Quando visitava a minha tia, lembro-me das mãe e filha com ouvidos encostados num rádio grande, daqueles antigos, para melhor captarem os sons que chegavam pouco audíveis.

Depois da morte do Chico, tia Yayá decidiu vender a casa e ir morar em Fortaleza.
Neste período foi que ela contou com o imenso carinho que meu pai lhe dispensou, ao cuidar das suas finanças, das compras de alimentos e sobretudo da sua saúde já que minha tia era sujeita a frequentes e perigosas crises de asma. Neste mister foi Walter o único irmão a lhe prestar assistência já que os outros já haviam morrido, ou no caso do tio Adauto, mais novo que ele,  se encontrava com séria enfermidade. A tia Yayá contava em casa, com a companhia de uma preta velha, a Carmélia, que generosa e fiel lhe acompanhou até seus últimos dias.
Minha tia havia se instalado para seus últimos anos, numa modesta casa na capital, com poucos cômodos.

Naquela época, lembro-me que pedi ao meu querido primo Gerardo Coelho, sua participação para darmos à idosa tia, uma televisão nova para sua distração. Nós dois dividimos a despesa para a compra do precioso objeto que teria uma serventia incomum para aquela notável apreciadora das novelas.


Walmar Coelho

sampco@uol.com.br

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Emoções e sentimentos humanos em versos - Walmar Coelho


ALMA GÊMEA

O homem quase endoidece
Na busca da alma gêmea
É um grão bem ocultado
No meio daquela sêmea
Ele só desassossega
Quando encontra sua fêmea

A APATIA

É descrença a apatia
Por falta de emoção
Uma quase letargia
Talvez a desatenção
A perda de energia
E a cruel depressão.

A ANGÚSTIA

Angústia é a sensação
De dor e ansiedade
Crava dor no coração
E a mente, sem verdade
sofrem cabeça e razão
sem dó e sem piedade

AGRESSIVIDADE

Agressivo é o humano
Que desde a mais tenra idade
Trata o outrem bem grosseiro
E sem ter afinidade
Não sofre por bem querer
Nem falta de amizade

AFLIÇÃO

Aflição é desespero,
Mal estar e agonia
É uma dor que dói na gente
Não se sabe onde cria
Mas tanto ela maltrata
Sem sabermos quando estia
  
AFETIVIDADE

Relação de bem querer
Afeição, afinidade
O amor que se desperta
Com desejo, com vontade
Almas que se encontram
Com grande felicidade

ALEGRIA

Alegria é sentimento
Que expande o coração
Vibra o corpo e a alma
Vira tudo vibração
Contamina quem tá perto
É face da perfeição.

ILUSÃO

Um engano pros sentidos
Principalmente a visão
O real é destorcido
Fica ausente da razão
Se alimenta do não crível
E o sim agora é não

A AMBIVALÊNCIA

Sentimentos conflitantes
Do querer e não querer
Do ódio e do amor
De choques a concorrer
Pessoa tão dividida
Não tem a quem recorrer — 

A SIMPATIA

Vem lá de dentro da alma
A força da simpatia
Cerca e prende as pessoas
Com intensa alegria
Agrada os que estão perto
Da afável companhia. — 

A ANSIEDADE

Ansiedade é sofrimento
De causas emocionais
Vem provocando a fadiga
A insônia e muito mais
Uma tensão manifesta
De forças predominais.

  
Walmar Coelho

sampco@uol.com.br